...
Dizem-nos que não podemos captar o tempo
que o que passou passou por nós
e eu sorrio só para mim
Podemos eternizar esse tempo
essa é a nossa condição
é assim que nos mantemos no mundo
de outro modo tudo nos seria
insuportável
Volto por isso a esse tempo
que eternizo dentro de mim
como um filme sem princípio nem fim
mas com uma atmosfera, sempre amorosa
e uma claridade, de eterno verão
Nesse filme estão todas as pessoas que amei
e não me esqueço de nenhuma
e estamos num piquenique
e há risos e lembro-me de todas as vozes
todas
as suas entoações únicas e trejeitos muito próprios
e expressões e significados
cumplicidades que animam a alma
Não digo adeus
sou como os sioux
e as almas não dizem adeus
estão sempre unidas
no meu caso, é nesse filme e nesse piquenique
mas podia ser outro o cenário
tinha era de ser no verão
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A nossa casa
A nossa casa é branca
e está colocada no lugar certo
de um lado a montanha
do outro o lago
e no espaço intermédio
árvores e flores
Mas o melhor da casa é a luz
a luz da casa
que se inicia de manhá
primeiro oblíqua
depois vertical
Há um caminho para a casa
um caminho só
e só sabe percorrê-lo
quem de nós sabe
o riso e os abraços
A sala está virada para a entrada
de onde os podemos ver chegar
um a um, vamos recebê-los
deixando as suas vozes misturar-se
com a brisa que ali sempre passa
A nossa casa
é a nossa história comum
branca e luminosa
os gestos mais simples
palavras soltas
risos
algumas lágrimas
e o espaço subtil
que tudo ilumina
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Açor (accipiter gentilis) a planar
Foi ontem que o avistámos. Na berma da estrada, em cima de um planalto sinuoso.
As penas castanhas ao sol da tarde formaram vários reflexos quando iniciou um breve voo.
Equilibrou-se de forma ágil na ponta superior de um pinheiro. Voou de novo e de novo pousou na ponta de outro pinheiro.
Pouco depois vimo-lo a planar num céu muito azul, mantendo-se quase imóvel, aproveitando uma ou outra corrente de ar para subir, sempre a planar, ou descer, as asas muito abertas.
Um ligeiro movimento e avança de lado rapidamente, como um avião nos filmes dos anos 4o.
A ideia de prazer, de total liberdade, sintetizada no planar de um açor no cimo de um planalto.
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...
Dias de sol como desertos
daqueles dos filmes
com planícies intermináveis
Gostaríamos de adormecer
em dias assim
à sombra de uma árvore solitária
O que fizeste aos teus sonhos?
Esta é a pergunta que sinto ecoar
nesses dias de sol, antes de fechar os olhos
O que fizeste aos teus sonhos?
Não sei, será que esperam por mim?
... será que ainda posso ousar sonhar?
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Do Baú:
Dias de trovoada no verão
em que tudo se torna mais vivo
e, no entanto, mais irreal
A humidade quente
o cheiro da terra molhada
a tonalidade cinzenta de sonho
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Do Baú:
A luz escorrega pela sala
lentamente
ilumina-me agora o caderno
toca-me nos dedos
amarelada e ténue
treme por trás da folhagem
Ficar assim
muito quieta
e deixar o vento passear por mim
sem nada alterar
nem esta tarde quase-noite
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Do Baú:
Desejaria chegar finalmente a casa
Luzes na noite
e um caminho entre árvores
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Do Baú:
Nunca como agora
senti esta urgência de chegar a casa
Nunca como agora
perante este céu a escurecer
com as árvores por companhia
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Do Baú:
Volto a casa
no silêncio de fim de tarde
silêncio absoluto
perfil de montanhas
Sou da mesma matéria dessas montanhas
desse silêncio absoluto desse fim de tarde
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Do Baú:
Saboreio de novo o verde o azul
o cintilar do sol nas árvores e no chão
os cheiros a preguiça os risos
a água tépida no rosto nas mãos nos braços
e os sons (os sons que lembram tanta coisa)
os sons da noite
acabada de anoitecer